domingo, 29 de março de 2009

O Palhaço que fazia stand-ups

“Respeitááável púúúblico”, brada o apresentador, enquanto os holofotes são jogados no picadeiro para iluminar uma das principais atrações da noite: o palhaço Cacarecohen! Apesar de não entenderem muito bem o nome as crianças berram de euforia, principalmente quando entra em cena o tipo de sapatos enormes, gravata vermelha até o joelho, gola saltada, peruca de lã, chapéu-coco e uma buzina de bola azul pendurada na cintura que faz pirõ a cada passo estabanado que ele dá. Mas assim que o palhaço pára no centro do picadeiro ele saca um microfone de mão, firma a vista em direção ao público – o qual ele parece enxergar com dificuldade por causa dos holofotes em seu rosto – e fica assim por uns três, quatro minutos, a palma da mão protegendo os olhos. Cai um silêncio na platéia. Finalmente o palhaço diz, com a voz um tanto baixa para ligeiro desconcerto da audiência: “Hm. Reparei em alguns pais aí com cara de jornalistas. Então este é o tal circo da mídia?” O tocador de pratos da orquestra atrás do picadeiro faz tsss – e a platéia permanece em constrangido silêncio, que se estende por alguns segundos. O palhaço dá uns dois passos para o lado (a buzina: pirõ, pirõ!) e prossegue, a voz ainda em tom comedido: “Sabe que quando eu vinha para cá, no trânsito, um motorista parou o carro ao lado do meu calhambeque e perguntou se eu tinha injeção eletrônica? Respondi: ‘Olha, acho que existem formas mais inteligentes de vacinar seu HD contra o Trojan’ ” Os pratos fazem tsss! e silêncio total. O que se ouve é um ou outro choro de criança. O palhaço espera mais uns segundos e: “Aliás, sempre que eu e meus seis irmãos íamos tomar injeção lá em casa minha mãe fazia questão de ela mesma esterilizar a agulha. Um dia a vizinha comentou: ‘Tem a ver com vocês serem judeus, não é?’ E minha mãe: ‘Claro: eu economizo usando a mesma agulha em todos os sete!” Tssss!O palhaço dá meio passo para trás (pirõ!) e olha a platéia. Uma ou outra vaia. Ouve-se um adulto gritar: “Te manca, ô babaca!” Mais crianças choram. O palhaço, depois de esperar mais um pouco: “Aliás, vocês sabem como é ‘economizar’ em iídiche?” As vaias sobem. O palhaço recebe latas de refrigerante e bolas de saco de pipoca na cara. Choros de criança se misturam a protestos enfurecidos de pais. Uma comprida bengala colorida vem do fundo do picadeiro, envolve o palhaço pelo pescoço e o puxa. Enquanto é arrastado ele tenta argumentar com o apresentador: “Eu entendo, eu entendo! Todo stand-up de estréia está fadado ao fracasso. É sempre assim! Amanhã o público será outro! Amanhã eu faço umas piadas sobre economistas austríacos e então...” O palhaço some nos bastidores. Espera-se voltar o silêncio, após o ruidoso protesto da platéia, e quinze minutos depois o apresentador anuncia: “Respeitááável púúúblico! Com vocês, Diomedes, o rei do trapézio!” Entra um sujeito de collant e capa lustrosa. Vai até o centro do palco, respira fundo, saca uma varinha e começa a desenhar no chão do picadeiro. Fica nisso uns cinco minutos, e aí as vaias voltam. O artista vira-se para o público, põe as mãos na cintura e grita: “Olha, com esse barulho, como é que eu vou calcular a área do trapézio aqui, hem?!?” A platéia, totalmente indócil, parece ameaçar derrubar o mastro central.

Um comentário:

  1. “Aliás, vocês sabem como é ‘economizar’ em iídiche?”
    hahahahahahahaha... Ótema!

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