domingo, 29 de março de 2009

O Stand-up de Hamlet

(…) Pois então, amigos de Elsinore, reuni todos aqui com a desculpa de que iríamos assistir à peça “A Morte do Gonzago”, mas na verdade é uma rifa para angariar fundos e pagar uma garota de programa para o rei Claudius, que na falta de mulher resolveu pegar minha mãe (risos). Aliás, de uns tempos pra cá, sempre que a oposição xingar o rei de motherfucker, ele vai ter que ouvir caladinho (risos). Mas, sério, vamos encenar a peça para dar serviço a essa trupe ambulante de atores, antes que eles, desempregados, resolvam apelar e assaltar viajantes nas estradas ou, pior ainda, virar ministros do reino (risos). Bom, como eu ia dizendo, em “A Morte do Gonzago” vocês vão ver veneno sendo colocado no ouvido de um monarca. Não, não, nada a ver com o que os conselheiros reais já fazem todos os dias (risos). Aliás, quero agradecer a presença, aí, na platéia, do conselheiro Polônio, que acha que eu sou maluco só porque vivo em solilóquios pelos corredores do castelo. O que dizer dele, que depois que perdeu a mulher, vive soliloquiando pelos banheiros? (risos) Mas voltemos à peça: eu mexi no roteiro, interferi bastante na direção e dei um monte de palpites no elenco. Acabo de inventar, portanto, a figura do produtor (risos). Na encenação, durante o trecho do veneno, quero que todos prestem atenção no rei Claudius. Não, não é por nada, não: é que os diálogos da cena ficaram tão ridículos que acho mais prudente distrair a atenção de vocês (risos). Enfim, prevejo que depois da exibição da peça vai ser derramado muito sangue: é que eu estarei me vingando das resenhas dos críticos teatrais (risos). Por fim, quero agradecer também à presença da doce Ofélia, que, em breve, com a permissão de Polônio e Laertes, pretendo levar ao leito conjugal. Mas só se ela parar antes com essa fixação em leito de riacho (risos). Ah, e agradeço também ao meu amigo Horácio, a quem eu incumbi de relatar a história toda. Então cuidado, viu, Horácio, para não ser plagiado por aquele dramaturgozinho inglês, como é mesmo o nome dele? (...)

O stand-up de Aristófanes

(...) Então eu encontrei, numa festa ontem à noite, o Sócrates, puto porque eu esculhambei a figura dele na minha peça As Nuvens - e aí, vendo que eu já tinha abusado do vinho, ele me chamou de comediógrafo bêbado. “É”, eu disse, “e sua mulher Xantipa é um tribufu. Mas amanhã eu vou estar sóbrio!” (risos) Na verdade ele fez beicinho por eu ter insinuado na peça que ele e os sofistas eram tudo farinha do mesmo saco, e queria que eu me desculpasse pelo xingamento. Falei na hora: “Ué, tudo bem. Traz algum sofista aqui e eu me desculpo na hora por ter xingado eles de socráticos!” (risos) Mas eu entendo perfeitamente essa ziquizira dele: acordar todo dia e olhar pra cara da Xantipa? Eu preferia mil vezes uma taça de cicuta. (risos) Falando sério - os filósofos reclamam de eu me achar superior a eles, mas vejam se eu não tenho razão: os pitagóricos vivem se metendo com triângulos, mas quem freqüenta os círculos do jet set ateniense sou eu; a turma do Heráclito vive tentando ver se dá pra entrar no mesmo rio duas vezes, enquanto eu uso a ponte; esse rapaz, o Platão, vive falando no mito da caverna, e eu já realizei o sonho da casa própria! (risos) Aliás, o Platão é um caso à parte. Dia desses, num banquete, o Diógenes, só pra sacanear ele – por ele ter dito que o homem é um bípede sem plumas –, depenou um galo e jogou na roda, dizendo “Eis o homem de Platão!” E eu, pensando cá comigo: “Neca de pitibiriba. Toda Atenas já sabe quem é o homem de Platão...” (risos) Aliás, falam também que eu meto o pau no Diógenes porque o cara é pobre, mas quando eu digo que ele não tem onde cair morto é porque, morando naquele barril apertado, o coitado vai morrer é em pé, mesmo! (risos) Bom, pra terminar, semana que vem eu vou estrear uma peça nova, Lisístrata, sobre uma greve de mulheres atenienses. Apesar de tratar de temas adultos como política, sociologia e estratégia militar, ela vai ser totalmente liberada pra menores: não rola nada de sexo! (risos) E agora há pouco, enquanto eu vinha pro afiteatro, um renomado crítico me perguntou se na minha peça As Rãs os atores apareceriam coaxando. Eu respondi que esse papel a crítica teatral já faz, quando comenta minhas estréias. (risos) Aliás, vocês sabem a diferença entre um crítico, um espartano e um texugo? (...)

Stand-up do Mickey Mouse, pelos 80 anos

“(...) Bom, tirando o Jerry Lewis, devo ser o único astro do showbizz que já passou dos 80 e ainda faz o circuito de stand-up comedies. Só que o Jerry está tão velho que qualquer dia some do Comedy Central para ir parar no History Channel. (risos) Mas continuo dando duro aqui porque preciso garantir algum por fora. Afinal, os copyrights sobre mim foram prorrogados – ou seja, até 2024 os direitos de imagem de meu personagem pertencem à Disney: não vou ver um centavo! Depois o rato sou eu. (risos) E nem posso contar com os amigos mais chegados, que andam também em baixa. O Pateta, por exemplo, em janeiro vai ser desalojado da Casa Branca. (risos) Mas deixemos de chororô: meu negócio é olhar sempre para a frente. Até porque tenho que acertar onde ir colocando o andador. (risos) OK, vocês podem dizer que o Hugh Hefner é um octogenário que vive cercado de gostosas. Claro: ele pode levar todas à Mansão Playboy, enquanto que o Castelo Disney acabou de ter a hipoteca executada, com a crise dos subprimes! (risos) Bom, agora vou deixar vocês, já que tenho que ir à inauguração de meu clube noturno em Las Vegas. A Disney andou chiando, alertando que a freqüência vai ser barra pesada, mas aí eu aleguei: ‘Escutem, já houve uma Britney Spears e uma Lindsay Lohan no Clube do Mickey – qual a novidade?!?’ (risos) (...)”

Lula faz stand-up para comemorar a entrada do país no clube de alto IDH.

Vendo que a única atitude plausível depois de conseguir ingressar no clube de países com alto IDH era promover uma stand-up comedy nas dependências do seleto clube, o humorista Luis Inácio Lula da Silva, o desdigitado das gentes, já subiu ao palco destilando sua peculiar verve: “Nas festas chiques aqui eu nunca vou passar vergonha por levantar o mindinho ao segurar o copo: o meu já veio decepado!” Após as gargalhadas iniciais, o humorista prosseguiu, fazendo alusão à 70ª colocação do país no Índice de Desenvolvimento Humano: “Melhor: se a gente ficasse em 69ª iam dizer que brasileiro só pensa em sacanagem!” Cessada a crise de riso da platéia, o humorista fez questão de brincar com o fato da Argentina já fazer parte do clube há mais de vinte anos: “Claro: na década de oitenta, quando a Argentina acabou com a ditadura e deu o salto pra democracia, aproveitou o impulso também pra pular o muro do clube!” Instantes depois, confrontado por um correspondente estrangeiro com o fato de que, apesar do ingresso no clube, a saúde, a educação e o padrão de vida da população brasileira ainda mostravam um desempenho aquém do esperado, o humorista reagiu: “Não sei por quê: quando um brasileiro espirra, o outro já diz ‘saúde’. E isso demonstra o quê? Educação!” O repórter insistiu: “Mas e o padrão de vida?” E Lula: “Vai bem, obrigado. A companheira Marisa já chamou o Sig Bergamin pra dar um trato na Granja do Torto!” No fim da festa, o comediante confidenciou a uma roda de amigos, com seu inconfundível wit: “Olha, eu poderia até dizer que não entro em clubes que me aceitem como sócio, mas o Franklin Martins me implorou pra eu não nunca mais usar citações de Marx. Nenhum Marx!”

O stand-up do hífen

(...) e sabe que eu quase fui barrado agora, ao entrar neste post? Os porteiros alegaram que em “stand-up” não há lugar pra mim, que o termo correto em inglês não leva hífen. Mas aí passei a conversa: “Ah, me tiram mas eu sempre volto: sou um hífen complacente”. (risos) Pois então – dizem aí que meu emprego é o item mais polêmico da nova reforma ortográfica. Aliás, fui tirado de tantas palavras que o mais exato é falarmos de subemprego. Não se espantem se eu começar a pedir uns trocados no trânsito, debaixo dos sinais de acentuação. (risos) A nova norma diz, abitrariamente, que eu não apareço mais na composição com palavras começadas por r ou s. Aqui, ó, pra vocês, seus gramáticos cagarregra! (risos) Então, como eu dizia, pra sobreviver vou passar a fazer uns bicos como travessão. E torcer pros terapeutas de casais continuarem recomendando o diálogo. Num bom diálogo sempre sobra emprego pra travessão. (risos) Posso sobreviver também como traço. E vou aparecer sempre no IBOPE, quando divulgarem a audiência do novo programa da Daniela Cicarelli! (risos) Vão poder me usar também como underline. É, nunca pensei em descer tão baixo (risos) Aliás, vocês conhecem a piada do papagaio, do português, da bicha e do hífen? Pois então, diz que (...)

O Stand-up da Montanha

1 O judeu, pois, vendo as multidões, subiu ao monte; e aproximou-se a platéia, e ele pôs-se a fazer seu monólogo cômico, dando início a uma tradição étnico-vocacional que iria perdurar por séculos:
2 “Bem-aventurados os humildes de espírito, esses seres geniais – até porque restam pouco de nós hoje, hein, hein?” E eis que um dos discípulos bateu dois pratos, e eis que a platéia compreendeu que podia rir. E o judeu prosseguiu:
3 “Bem-aventurados os que choram, porque pagar seis shekels no mercado por um cabrito para o Pessach não tem base. Por Javé, há que se pechinchar!”
4 “Bem-aventurados os mansos, principalmente os que chegam em casa e pegam a mulher na cama com um centurião romano: dar uma de bravinho numa hora dessas é passar pelo fio da espada.”
5 “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque permanecerão com a silhueta que pediram a Javé, ao invés de engordar comendo ou bebendo bobagem.”
6 “Bem-aventurados os limpos de coração, porque coronária entupida é o fim.”
7 “Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados de ingênuos pelos fomentadores da guerra mas farão sucesso posando de liberais chiques.”
8 “Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque haverá um tempo em que ser indiciado se tornará um claro indicador de status."
9 “Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem, perseguirem e disserem todo o mal contra vós por minha causa, pois podereis retrucar ‘ei, eu vi a primeira apresentação dele lá na montanha e já percebi que não tinha a menor graça!’ "
10 E a todas estas se ria muito a multidão, e o judeu continuava:
11 “Vós sois o sal da terra; os sírios são a massa; os egípcios a calabresa; os bretões a cebola e os gregos as azeitonas: cuidai que os romanos estão aí a inventar um novo prato para patentear e comercializar no futuro.”
12 “Vós sois a luz do mundo – então virai um pouco para lá; isso, assim, pois nada pior em um espetáculo como esse do que o facho do holofote na cara.”
13 “Não pensai que vim destruir a lei ou o que disseram os profetas: os escribas semi-analfabetos já cuidam disso.”
14 “Ouvistes que foi dito: Não adulterarás. Eu, porém, vos digo que todo aquele que sequer olhar para uma mulher para a cobiçar deverá pensar antes nas juntas de bois, nos côvados de terra, nas vinhas e nas oliveiras que a esposa levará depois do divórcio – e então aquietará seu cajado.”
15 “Se o teu olho direito te escandaliza, arranca-o fora. Se tua mão direita é motivo de escândalo, corta-a e a lança longe de ti. Mas pára com os escândalos por aí, ou esta auto-flagelação reduzir-te-á a um bizarro homem-tronco."
16 “Ouvistes que foi dito: Olho por olho e dente por dente. Eu, porém, vos digo que a qualquer um que vos bater na face direita – sinalizando pois um desafio para duelar – optai pelo velho olho por olho e dente por dente mesmo, que é mais prudente acabar cego e banguela do que perecer em um duelo ridículo."
17 “Ouvistes que foi dito: Amarás ao teu próximo e odiarás ao teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai vosso próximo, odiai vosso inimigo e contai com um bom advogado."
18 “Olhai as aves do céu, que não semeiam, nem guardam provisões, pois já têm quem faça isso por elas. Olhai os lírios do campo, que não trabalham nem fiam, pois sabem que há quem proverá tudo para eles. Ou seja, acabais de ouvir a primeira metáfora para a mãe judia."
19 E mais e mais a multidão se ria, e a cada bem-aventurança do judeu o discípulo batia os pratos, e cada vez mais a platéia se animava. Eis então que o judeu foi chamado a um canto por um homem, que lhe apresentou um cartão, disse ser um agente e pediu ao judeu para procurá-lo na segunda-feira.
20 Entretanto o homem o advertiu: “Só cuidai para evitar piadas com a mulher de Herodes. O comediante que te antecedeu, o Batista, incorreu nesta imprudência e pediram a cabeça dele.” E o judeu cochichou ao agente: “Tu sabes que este tipo de espetáculo é mesmo um martírio. Quando não são pessoas influentes se incomodando, é a crítica especializada nos crucificando."
21 E eis que o judeu guardou o cartão do agente e voltou à montanha; e assim prosseguiu, dizendo à multidão: “Quereis agora ouvir a piada do bom samaritano ou a anedota do filho pródigo?”
22 E a todas estas a multidão se regozijando, pois via que rir era bom.

O Stand-up de Saddam Hussein

O humorista e showman Saddam Hussein afirmou hoje, em seu stand-up no Tribunal Superior Penal do Iraque, que em breve vai concretizar seu sonho de estreitar mais ainda os laços com o paraíso dos sunitas. “Nem que seja no pescoço”, ele arrematou, para delírio da platéia. “Aliás”, continuou o comediante, “eu já sabia que o Tribunal iria me mandar para o lugar de onde vim: um buraco no chão!” Diante da gargalhada convulsiva dos presentes, o humorista reiterou que a política internacional não passa mesmo de um jogo de bastidores: “O Bush prefere War e eu vou de jogo da forca!” Depois de esperar a platéia recuperar o fôlego, Saddam foi adiante: “Pensando bem, meu governo contraiu uma dívida absurda porque meu negócio é acabar pendurado, mesmo! E tem mais: ao cumprir a sentença vou mostrar que sou carne de pescoço! E aos que me acusam de déspota que foge ao debate: vocês vão me ver me debatendo no ar! Aliás, no ar mesmo, porque fechei contrato com a NFL para transmitir tudo ao vivo, no intervalo do Superbowl! Quem vibrou com a Janet Jackson mostrando o mamilo vai delirar ao me ver mostrar a língua. Toda a língua!” Para finalizar, o showman não deixou de destilar ainda mais seu peculiar veneno: “Fico pensando no dia em que o Daniel Piza escrever minha biografia: será que ele vai dizer que morri na cruz ou na fogueira?” Mediante o súbito constrangimento pela menção a dois símbolos religiosos tão caros ao Ocidente, o humorista foi retirado do palco. Na falta de bengala para puxá-lo pelo pescoço, a produção usou corda mesmo.

O stand-up de Machado de Assis

(...) Quer dizer que em setembro agora faz um século que eu morri? Bem que estranhei o silêncio prolongado: achei que estava era faltando assunto na última reunião da Academia Brasileira de Letras (risos). Aliás, falando na Academia, depois que aquele cirurgião plástico e aquele político maranhense se elegeram lá é que fui ver que meus primeiros sonetos não foram a coisa mais execrável que já criei (risos). Pensando bem, essa é a melhor maneira de um mulato ingressar numa academia sem recorrer ao sistema de cotas: fundando uma! (risos) E não, não procede a tese de que escrevi Memórias Póstumas de Brás Cubas para inaugurar o realismo brasileiro. Na verdade foi laboratório para poder tentar o circuito de stand-up comedy cem anos depois de morto (risos). É que eu tenho que defender uns caraminguás, ora: o que vocês fariam se sua obra caísse no domínio público? (risos) E já estou pressentindo um ou outro aí na platéia impaciente para saber se afinal de contas aquela minha mais famosa personagem foi fiel ou não. Não vejo o porquê do mistério: evidente que foi! O cão é o melhor amigo d... Ah, não é do Quincas Borba que vocês falavam?(risos) E, sim, ouvi dizer que o Harold Bloom me incluiu entre os maiores escritores de todos os tempos. Bom, lista feita por um judeu e que inclui um mulato não é lista: é cardápio para skinheads (risos). Como? O que acho dos filmes baseados em minhas obras? Olha, vi todos e se reforçou mais ainda aquela certeza sobre meus primeiros sonetos, sabe? (risos) Ah, e uma recomendação: quando seus filhos forem fazer pesquisa escolar sobre aquele consagrado membro da ABL conhecido como bruxo e que ostentava um cavanhaque grisalho, expliquem que não, não se trata do Paulo Coelho! (...)

O Palhaço que fazia stand-ups

“Respeitááável púúúblico”, brada o apresentador, enquanto os holofotes são jogados no picadeiro para iluminar uma das principais atrações da noite: o palhaço Cacarecohen! Apesar de não entenderem muito bem o nome as crianças berram de euforia, principalmente quando entra em cena o tipo de sapatos enormes, gravata vermelha até o joelho, gola saltada, peruca de lã, chapéu-coco e uma buzina de bola azul pendurada na cintura que faz pirõ a cada passo estabanado que ele dá. Mas assim que o palhaço pára no centro do picadeiro ele saca um microfone de mão, firma a vista em direção ao público – o qual ele parece enxergar com dificuldade por causa dos holofotes em seu rosto – e fica assim por uns três, quatro minutos, a palma da mão protegendo os olhos. Cai um silêncio na platéia. Finalmente o palhaço diz, com a voz um tanto baixa para ligeiro desconcerto da audiência: “Hm. Reparei em alguns pais aí com cara de jornalistas. Então este é o tal circo da mídia?” O tocador de pratos da orquestra atrás do picadeiro faz tsss – e a platéia permanece em constrangido silêncio, que se estende por alguns segundos. O palhaço dá uns dois passos para o lado (a buzina: pirõ, pirõ!) e prossegue, a voz ainda em tom comedido: “Sabe que quando eu vinha para cá, no trânsito, um motorista parou o carro ao lado do meu calhambeque e perguntou se eu tinha injeção eletrônica? Respondi: ‘Olha, acho que existem formas mais inteligentes de vacinar seu HD contra o Trojan’ ” Os pratos fazem tsss! e silêncio total. O que se ouve é um ou outro choro de criança. O palhaço espera mais uns segundos e: “Aliás, sempre que eu e meus seis irmãos íamos tomar injeção lá em casa minha mãe fazia questão de ela mesma esterilizar a agulha. Um dia a vizinha comentou: ‘Tem a ver com vocês serem judeus, não é?’ E minha mãe: ‘Claro: eu economizo usando a mesma agulha em todos os sete!” Tssss!O palhaço dá meio passo para trás (pirõ!) e olha a platéia. Uma ou outra vaia. Ouve-se um adulto gritar: “Te manca, ô babaca!” Mais crianças choram. O palhaço, depois de esperar mais um pouco: “Aliás, vocês sabem como é ‘economizar’ em iídiche?” As vaias sobem. O palhaço recebe latas de refrigerante e bolas de saco de pipoca na cara. Choros de criança se misturam a protestos enfurecidos de pais. Uma comprida bengala colorida vem do fundo do picadeiro, envolve o palhaço pelo pescoço e o puxa. Enquanto é arrastado ele tenta argumentar com o apresentador: “Eu entendo, eu entendo! Todo stand-up de estréia está fadado ao fracasso. É sempre assim! Amanhã o público será outro! Amanhã eu faço umas piadas sobre economistas austríacos e então...” O palhaço some nos bastidores. Espera-se voltar o silêncio, após o ruidoso protesto da platéia, e quinze minutos depois o apresentador anuncia: “Respeitááável púúúblico! Com vocês, Diomedes, o rei do trapézio!” Entra um sujeito de collant e capa lustrosa. Vai até o centro do palco, respira fundo, saca uma varinha e começa a desenhar no chão do picadeiro. Fica nisso uns cinco minutos, e aí as vaias voltam. O artista vira-se para o público, põe as mãos na cintura e grita: “Olha, com esse barulho, como é que eu vou calcular a área do trapézio aqui, hem?!?” A platéia, totalmente indócil, parece ameaçar derrubar o mastro central.